1 de março de 2011

O problema de descomplicar (ou a vantagem em complicar)

Tendo observado uma tendência universal à descomplicação de toda e qualquer informação, eu venho com um grande e sonoro “Objeção” a esta tendência.

Ao contrário, a complicação pode se apresentar como passo principal na emancipação e/ou criação de uma idéia. E é assim que se procede.

Uma informação pode ser simples ou complexa. A complexidade é fruto de detalhes que são imprescindíveis à apreensão da idéia como um todo. É mais ou menos como aquela história do telefone sem fio.

Se uma pessoa obtém uma informação que é simples, pode abrir margem para uma interpretação pessoal em um espectro de variações plausíveis desta, e aí o que começa com “Fulana gosta de Ciclano” vira “Fulana diz que gosta de Ciclano”, chegando a “Diz a Fulana, que gosta de Ciclano” , “Fulana finge que gosta de Ciclano” e pode terminar em “Fulana é falsa e está enganando o Ciclano”.

Neste caso simples, vemos que se de fato “Fulana gosta de Ciclano”, seria melhor adicionar termos e nuances que permitam que esta informação se mantenha. Se fossem usadas mais do que quatro palavras na idéia inicial, poderia-se afirmar a primeira informação sem haver qualquer falha. Uma frase como “Fulana gosta muito de Ciclano, ela tem muita admiração e respeito por ele, está apaixonada por ele” seria muito mais fácil de passar a idéia principal. Obviamente, poderíamos encontrar diversas maneiras de se subverter a frase, mas seria muito mais difícil de encontrar uma brecha que permitisse uma mudança direta do significado.

Noves fora a natureza humana, quando inclinada à perversão de idéias, a complexidade pode gerar uma segurança adicional na transmissão das idéias. E é isto que acontece, quando destrinchamos temas como o da sociedade, do ambiente e do ser humano.

Variados episódios eu encontro quem seja um arauto intransponível d’esta ou d’aquela idéia. Mesmo dentro de um ambiente que seria propício ao diálogo, muitas vezes a vaidade fala mais alto do que a razão, ou do que os fatos, e isto é o princípio de embates que não geram resultados. Ao invés de gerarem resultados, geram os perdedores e os vencedores.

Deveríamos olhar com mais cuidado as questões fundamentais do triângulo sociedade-ambiente-indivíduo, com uma aproximação mais disposta a aprender do que apreender. Porque apreendemos sempre aquilo que nos interessa, mas aprender demanda despojar-mo-nos de conceitos estabelecidos errôneamente, ou voluntariamente, para descobrirmos uma nova função, uma nova relação, uma nova idéia.

As idéias novas são vitimadas todos os dias pelo simplismo de um outro ‘triângulo’: oratória-demagogia-vaidade. Quantas e quantas vezes vemos isto nas rodas de conversa, nos debates e discussões, na vida profissional, na vida acadêmica. Penso eu que caso houvesse fórmula mágica de extirpar este triângulo, viveríamos mais próximos da utopia do que ousamos imaginar...

Quando volto ao triângulo sociedade-ambiente-indivíduo, analiso que muito do que é discutido ou debatido gira em torno de ideologias quase sempre constantes – e muito característico da civilização judaico-cristã-ocidental – que permeiam o dualismo bom-ruim, bem-mal. Os tons intermediários, as relativizações ou conceitos mais abstratos que estes são relegados ao niilismo ou então ao personalismo. E assim morrem as idéias novas, antes de serem sequer testadas.

Ao  final, busca-se sempre o ‘simples’ e ‘fácil’, e assim sacrificam-se ao altar do Pragmático as experiências novas e diferentes do comum, que poderiam trazer soluções de igual maneira. E como posso afirmar, este sacrifício é hipócrita ao realizarmos que este fundo de pragmatismo esconde interesses quase sempre exclusivos do triângulo oratória-demagogia-vaidade.

Função primeira desta carta é convidar quem puder ao exercício da complicação. Numa consulta rápida ao dicionário, está ali bem quietinho um significado interessante – complicar, como verbo transitivo direto, significa reunir coisas heterogêneas. Reunião implica somar, juntar. Quando se fala em juntar coisas heterogêneas, diferentes, espera-se que seja para fins de comparação e análise. E é isto que acontece quando complicamos as coisas.

 Comparamos e analisamos. E nada tem de mais fértil para a nova idéia, que a comparação e análise!

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